Espera

terça-feira, 28 de julho de 2009

Em stand-by até o fim do ano, torcendo para esse semestre passar voando, preciso de minha dose de cidade grande e de tudo que eu tenho por lá.
Viver na espera de umas poucas semanas é saudável? Pode ser, mas parece-me melhor que os comprimidos.

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Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.

Álvaro de Campos - Sou eu

Alimento

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Gosto muito da Hilda Hilst, é, sem titubeios, minha escritora favorita. Não só pela vastidão de sua obra, mas por ter ciência de que quando era ela mesma, era uma 'tábua etrusca', mas por saber, de alguma maneira, desmitificar-se e fazer entender-se, quisera eu ter esse dom. Muita coisa dela ainda me é difícil de digerir, é substância demais para tão pouco ser, mas creio um dia chegar lá, enquanto isso, continuo sendo alimentada pelos que entendo. Abaixo o trecho de um deles. Deliciem-se.

Cansei-me de leituras, conceitos e dados. De ser austera e triste como conseqüência. Cansei-me de ver frivolidades levadas a sério e crueldades inimagináveis tratadas com irrelevância, admiração ou absoluto desprezo. Sou velha e rica. Chamo-se Leocádia. Resolvi beber e berimbar antes de desaparecer na terra, ou no fogo ou na imundície ou no nada. Contratei uma secretária-acompanhante e disse-lhe o seguinte: és jovem e apetitosa. Quando os homens quiserem ter relações contigo, diga-lhes que façam um esforço e deitem-se comigo. Pagarei muitíssimo bem a cada um deles e terás régias comissões a cada êxito.
Ficou perplexa. Olhou-me a figura ainda esguia, mas bastante deteriorada, pediu-me que levantasse a saia, levantei, olhou aturdida minhas coxas murchas. Senhora, retrucou, será muito difícil convencê-los, mas portar-me-ei, desculpe a mesóclise...E saiu correndo em direção ao banheiro. Na volta, explicou-me que havia sido professora e sempre tinha pequenas náuseas quando usava a mesóclise, mas diante de um assunto tão repugnante (no seu entender) e acrescido de mesóclise, teve de vomitar mesmo. Estava vermelha e lacrimosa, mas bastante ativa. Continuou: hei de portar-me indignamente para satisfazê-la, desde que meu salário seja compatível com tamanha velhacaria. Disse a quantia. Ficou radiante. Chama-se Joyce (!). É mignon e deliciosa, peitinhos de adolescente, tem 30 mas dá-se-lhe 20 (eu não tenho medo da mesóclise), a boca de cantinhos levantados, os olhos claros entre o amarelo e o castanho, os cabelos quase ruivos, elegante no olhar e na postura. Perguntou-me de chofre, ao anoitecer, diante do meu primeiro uísque (aprendi que qulaquer bebida é menos fatal se se começa a beber a partir das seis da tarde) se eu conhecia Chesterton. Não acreditei no que ouvia. Seria algum Chesterton amiguinho dela? Um professor? Algum político? Não senhora, refiro-me a Gilbert Keith Chesterton, novelista, ensaísta, crítico e humorista inglês. Meu Deus!, exclamei eu, que deixei de pensar pra continuar a viver, me encontro diante de alguém que leu Chesterton. Por favor, Joyce, previno-a, e previno-a com uma frase do citado: “se a tua cabeça te ofende, corta-a fora”.
Foi o que aconteceu com a minha, porque para mim depois de todas as reflexões sobre a sordidez, a ignomínia, a canalhice da humanidade, prefiro esquecer que um Chesterton existiu.

Hilda Hilst - Bestera

Calor

terça-feira, 21 de julho de 2009

Dias quentes, escaldantes, a vontade que dá é de ficar o dia todo nua, com o ventilador ligado, água de coco geladinha e um bom livro, daí eu acordo e vejo que a realidade é bem outra. Sem refresco, oásis, seca e árida, e o calor continua corroendo a pele grudenta, a imagem que me vem à mente é que virei metal líquido ou lava, tal é meu estado, e pior, sinto isso tanto dentro quanto fora de mim, estou numa ebulição emocional que se chegar a deixar transbordar é possível que queime alguém, preciso achar uma maneira de amainar essa quentura. Logo!

Little Miss

domingo, 19 de julho de 2009

Bôa

Às vezes sou recriminada por ouvir e gostar tanto de bandas estrangeiras, o que alguns não entendem é que, para quem realmente aprecia música, a língua não é uma barreira, e o fato de eu gostar de banda X, Y ou Z não faz com que eu goste menos do produto nacional, amo minha língua pátria, mas se algo provoca identificação em mim devo deixar de lado apenas porque não foi escrito em português?
Conheci essa banda através de um amigo que era viciado em Lain, ele mandou-me Duvet, gostei, fui atrás de mais coisas da banda e então conheci Little Miss, é a minha música, não tem muito o que dizer, tornou-se minha, ouvi-la é ver-me, mesmo quando a situação que vivo não é a da música, mas um dia foi, e pelo que conheço de mim, um dia tornará a ser.

In the morning - she's gonna make love
She's gonna make it like she's never done before
She's gonna scare you with her passion
She's gonna make it seem like she don't care
She's gonna hold you close
She's gonna make you cry
She's gonna make it feel like you don't care
You're gonna need her
She's gonna love you
And melt your cold stare


Bôa - Little Miss

Fragmentos

sábado, 18 de julho de 2009

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir. *


Dos textos que ecoam em mim, esse é um dos mais fortes; é boa parte de minha vida, sinto-me mais sendo muitas do que sendo apenas vaso; cada pedaço, caco de mim tem sua história, que pode ou não ser real; às vezes chega a ser difícil distinguir o que vive interna do externamente. Em alguns momentos saber disso faz-me alegre, em outros tristes, e sigo assim, fragmentada.

*Álvaro de Campos - Apontamento

Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto. *

quinta-feira, 16 de julho de 2009

E como tantas coisas, esse blog surgiu da necessidade de expor aquilo que gosto: músicas, fotos, textos; tanta coisa que me toca e que fica solta, então, eis a tentativa de reunir aqui os fragmentos que constroem meu mundo.

* Alberto Caeiro - A espantosa realidade das cousas
 
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